Resenhas Literárias
A resenha literária é um texto crítico e analítico que tem como objetivo apresentar, descrever e avaliar uma obra literária — como um romance, conto, crônica ou poesia. Ela combina elementos informativos e opinativos, permitindo ao leitor conhecer o conteúdo e as principais características da obra, ao mesmo tempo em que oferece uma interpretação ou julgamento sobre sua qualidade e relevância.
O Amor nos Tempos do Cólera - Gabriel García Márquez
Falar sobre a grandeza da obra de Gabriel Garcia Marques é discorrer sobre o que já foi dito pelos melhores críticos literários do mundo. O Nobel de Literatura por Cem Anos de Solidão mereceu, e muito, todo o reconhecimento que recebeu em vida e que continua angariando, tendo sua obra recriada em filmes de cinema e séries televisivas. Do mais simples trabalho jornalístico aos grandes romances, Gabo sempre deixou sua marca inconfundível de criatividade e conhecimento das situações expostas e da alma humana, da mais simples à mais complexa. Seu realismo mágico coloca o leitor diante do que há de oculto na criatura humana, expondo com riqueza de detalhes o que o olhar comum não é capaz de ver.
Nesta resenha, quero destacar o seu livro mais tocante a meu ver. Segundo o autor, embora Cem Anos de Solidão tenha ganhado maior destaque, o seu favorito é O Amor nos tempos do Cólera, com o que eu concordo inteiramente. Em uma entrevista, Gabriel revelou que o romance tem como inspiração a história de seus pais, embora recheada de ficção. As personagens são de tal forma bem construídas que não há como não se comover com a tragédia que cada uma carrega por toda a narrativa, tanto no quesito da bondade quanto da maldade. O contexto de época, em que o Cólera determinou a vida ou a morte das criaturas, tem papel determinante, do princípio ao fim. Os protagonistas, Florentino Ariza e Fermina Daza, encarnam a essência do amor em todos a sua profundeza, ambos passam pelas reviravoltas que tal sentimento pode atingir, por todas as forças contrárias à sua realização, pelos inimagináveis rumos que a vida pode tomar, até que a perpetuação do anseio original se faça valer. É impossível não se comover com a persistência de Florentino e com o final que a vida reserva para ele e Fermina, resumido neste trecho:
"Florentino Ariza, por outro lado, não deixara de pensar nela um único instante desde que Fermina Daza o rechaçou sem apelação depois de uns amores longos e contrariados, e haviam transcorrido a partir de então cinquenta e um anos, nove meses e quatro dias."
Recomendo a leitura desse fabuloso romance e de sua versão para as telas, protagonizada por Javier Barden e Giovanna Mezzogiorno, com participação especial de Fernanda Montenegro.
Nadja Abdo - escritora, critica literária, presidente da Academia Mineira de Escritores/ maio 2025
A Vida é Cruel, Ana Maria - Escritor Fabio de Melo
Em diálogos imaginários com sua mãe, Fábio de Melo revela-se capaz de criar um ato literário incomum, dado que conversa com uma personagem ausente, em clima de intimidade simultaneamente amorosa e reveladora. O que seria um monólogo ganha dinâmica de interlocução, na medida em que se denotam sentimentos ora compartilhados, ora percebidos. O nível discursivo em "A vida é cruel, Ana Maria" é de alto calibre literário, entremeado por construções poéticas tocantes. A leitura encantou-me e fez crescer a minha admiração pelo autor.
Nadja Abdo - escritora, critica literária, presidente da Academia Mineira de Escritores/ abril 2025
Brasil Afora - Escritor Fernando Abdo
Em Brasil Afora, de Fernando Abdo, o leitor encontrará não somente contos em que a imensa territorialidade do Brasil se mostra diversa; também vai se deparar com as peculiaridades de seu povo, espalhado pelas cinco regiões. Cada conto, com seu contexto situacional, constitui uma narrativa permeada de singularidades locais e problemáticas específicas.
A dimensão histórica aparece como pano de fundo, para explicar a miscigenação, os costumes diferenciados, o sincretismo religioso, bem como as desigualdades sócio-culturais. A colonização de exploração e os absurdos trezentos anos de escravidão dos negros não escapam ao múltiplo olhar do escritor. A ferida é exposta de forma subliminar, mas contundente, enquanto as tramas vêm carregadas de fortes elementos conotativos e, muitas vezes, denotativos.
A variedade dos enredos passa por perdas e ganhos em “Sorte Grande”, conflitos históricos do “Coronel Severo Gomes”, bairrismos como em “Resenha Grão Pará”, amores tocantes como o de “Sinhazinha”, as aventuras audaciosas em “Serra Pelada” e muitas outras, indo desaguar no âmbito religioso de “Jangadas da Fé”.
O conto Santa Crença, em que amigas trocam cartas, por estarem distantes geograficamente, destaca-se entre os demais pela sua originalidade e dinâmica muito bem estruturada. Cria uma quebra de paradigma, fazendo com que o leitor se veja surpreendido e estimulado a prosseguir. Com certo humor crítico, o autor expõe nas missivas as características divergentes das duas protagonistas, as alfinetadas sutis de ambas as partes, embora com cuidado para não melindrar uma amizade antiga.
No tocante à estrutura gramatical em geral, houve a feliz confluência da língua formal com os regionalismos, o que agregou veracidade e fluidez às construções textuais. Percebe-se, por todo a produção, a pesquisa feita pelo autor para dar vida e voz às criaturas, respeitando seus padrões e crenças, de forma totalmente legítima e despreconceituosa.
Brasil Afora não é só um livro de contos. Trata-se de uma obra literária que ultrapassa o entretenimento do leitor; leva-o a refletir sobre a mescla de sentimentos, conflitos e lutas enfrentadas por uma população multifacetada, aculturada, mas valente e resiliente. Um livro para ler com humanidade e respeito.
Nadja Abdo - escritora, critica literária, presidente da Academia Mineira de Escritores/ outubro 2023
Prefácio Memórias Editidas - Escritor Fernando Abdo
Em seus poemas em prosa, Fernando Abdo Mendonça adentra não apenas em suas memórias afetivas, tratadas de forma sublimada e amorosa; seu foco também se volta para contextos que lhe despertaram reflexões racionais, próprias de um olhar perscrutador. O discurso se distingue entre as situações intimistas e as universais, o que pode ser percebido pela inflexão nas abordagens, que se apresentam ora tênues, ora incisivas. Quando resgata cenários pueris, seu enfoque traz à cena todos os sentidos: a visão, o paladar, o tato, a audição, o olfato e os sentimentos advindos dessas sensações. Já em outros poemas, de contextos mais amplos e impessoais, sua visão torna-se mais aguda e crítica, por vezes sagaz e irônica.
No tocante à linguagem, há muito o que se analisar. As frases curtas e impactantes definem bem o gênero do poema em prosa. Embora a predicação seja concisa, os verbos utilizados se destacam de tal forma em qualidade, a ponto de dispensarem maiores complementos, pela própria força que lhes é inerente. A sintaxe segue a estrutura profunda da língua, sem prolixidade, embora construída por um léxico bastante aprimorado. O vocabulário tem riqueza em abundância. Os substantivos, por sua vez, ganham força pela extraordinária adjetivação que os acompanha. Em vários momentos, os adjetivos ganham status de substantivos próprios, sendo escritos com letra maiúscula para maior ênfase. Outro aspecto linguístico - digno de nota no poema em prosa - é a utilização de figuras de linguagem como elipses, metáforas, personificações, aliteração e outras, muito bem aplicadas em vários trechos.
“Talhados em colossos pilares, o intrépido monoteísmo em Nefertiti. Não obstante, o burlesco imprevisto nas serpentes Cleópatras.”
Em todos os poemas, o estilo autoral se faz presente: ocorrem cortes rápidos, mas o ritmo e a harmonia não se perdem. A pontuação perfeita tem papel fundamental no sequenciamento. A excelência das pausas aplicadas desempenha função essencial para a interpretação e cadência. O corte de algumas preposições, no intuito de deixar o conteúdo mais poético que descritivo, não é tarefa fácil; exige do autor coragem e competência para desafiar regras linguísticas padronizadas, mas permissivas em termos de criatividade. São essas construções - bem aplicadas e conjugadas - que definem a pujança da obra literária, oferecendo ao leitor o diferencial esperado.
“Arranha-céus da cobiça em metonímias da pecúnia invisível; fortunas infactíveis em ternos imaculados exaurem em esbulho.”
Quando aborda suas impressões sobre as cidades que conheceu, nas inúmeras viagens que realizou, Fernando descortina aspectos que a muitos passam despercebidos. Seu olhar aguçado transita entre a geografia, história, política e demais características do lugar em foco. Ao desfrechar seu olhar inquisidor, faz uma varredura simultaneamente profunda e eloquente. No mesmo compasso em que situa o leitor, o autor faz a travessia do imperceptível, levando-o a perceber que está subjacente ao visível. Mais uma vez, a primorosa escolha dos adjetivos cumpre seu papel de qualificar o cenário de forma substantiva, positiva ou negativamente, para o interlocutor ausente.
No poema Amor Escorpião, Fernando enaltece sua musa, alma gêmea de mesma data natalícia. No desnudar dos sentimentos, a história do casal é contada com a mesma linguagem concisa, porém alinhavada pelo clamor da paixão. E é justamente a sua cara-metade que vem abrilhantar seu trabalho com belíssimas ilustrações, cuidadosamente elaboradas conforme a abordagem a que se remetem. O esmero e sensibilidade das aquarelas forma junção primorosa com os poemas. Essa confluência enriquece sobremaneira a obra, dando-lhe legitimidade e beleza, além de oferecer ao leitor mais um elemento de interlocução.
Na sequência, os poemas Avus Mortem e Não Carece deixam claro o regate de memórias afetivas muito significativas para o autor. A delicadeza dos adjetivos que descrevem as personagens queridas mostra o quão caras lhe são as marcas que elas deixaram em sua vida. Ao citar Drummond, a escolha recai sobre a relação intrínseca entre falta e ausência. “Não há falta na ausência.”
“A saudade segue intocada. Incompreendida. Sem hora para acabar. O avô querido se foi, mas não deixou o coração do neto-aprendiz.”
Todos os títulos dos poemas – incluindo o da própria obra como um todo – mostram muita correlação com o teor dos temas. As escolhas, bastante esmeradas, agregam grande valor à produção. É importante ressaltar que um título assertivo colabora como significante para a compreensão do significado. Ademais, quando a semântica estabelece, propositalmente, uma extensão de sentido, a curiosidade do leitor fica ainda mais aguçada.
No decurso da leitura, a numeração em alguns termos específicos ocorreu certamente por necessidade de um esclarecimento de sua origem. O que seriam notas de rodapé foram inseridas em página única, no final do livro, enumeradas conforme a ordem em que constam nas páginas. A opção de colocá-las em bloco parece-me ser uma forma de não comprometer a estética de cada poema. Uma decisão sábia, levando-se em conta que se trata de uma composição literária e artística: o conteúdo tem conotação poética, mas não se exime de conhecimento; o bom gosto estético denota beleza, do início ao fim. Assim sendo, o valor da obra que tenho a honra de prefaciar exala virtudes em todos os aspectos, que se fazem imprescindíveis às mais depuradas produções.
Nadja Abdo - escritora, critica literária, presidente da Academia Mineira de Escritores/ março 2022
Maravilha de Memórias
Falemos das Memórias Editadas, obra de Fernando Abdo e, de modo especial, do Prefácio, de autoria de sua mãe, Nadja Neves Abdo.
Gostei do perfil que ela adotou das informações adjetivas, que se intrometem no berço das expressões substantivas e, gentilmente, abrem novos horizontes ao leitor dos poemas em prosa.
Poemas em prosa? Curiosamente, uma amiga fraterna, tendo estado na parte francesa do Canadá, lembrou-se de mim e adquiriu um ensaio de Baudelaire sobre o poema em prosa. Trabalho raro, saído do espírito criativo do grande poeta de versos medidos e rimados, na melhor tradição francesa.
Encantaram-me, nas epígrafes escolhidas para credenciar os conteúdos poemáticos, os autores e os trechos selecionados pelo organizador das memórias recolhidas.
Fernando Abdo abre espaços para o que há de melhor na Literatura Brasileira e se serve igualmente dos mestres do passado. Diríamos que percorre os fornecimentos do período clássico, principalmente daqueles da cultura greco-latina.
Há um sabor afirmativo quando as memórias cessam de ser tão somente prosaicas e invadem citações irônicas, destrutivas, ofertadas pelas mentes questionadoras das potências destinadas ao manejo do Poder. Poder ávido de mais poderes e dominações. O que desejam os bilionários? Desejam ficar mais ricos e poderosos.
O poeta das memórias exibe dois roteiros: no primeiro, estão os lugares do viajante, desde as luzes da aurora do mundo até os píncaros da capacidade humana.
Tenho certa reserva para os que acreditam num Deus onipotente, que não se apresenta aos mortais. Os deuses são também uma criação do ser humano. Tudo o que ainda persiste, desde o sórdido ao maravilhoso, saiu da mente dos mais sábios dos homens da Ciência e da Eurística.
Tive uma tia, conhecida como Sinhá do Couto, uma doçura de pessoa que, bancando uma teóloga, dizia, ante as catástrofes da vida: “Eu não servia para ser Deus. Tenho o coração muito bom.”
É de fazer o queixo cair iniciar a obra com o breve e insuperável trecho da prosadora e poetisa Clarice Lispector: “Como começar pelo início, se as coisas acontecem antes de acontecer?” Logo a seguir o poeta-historiador passa a palavra ao maior escritor de todos os tempos: “… as pessoas não morrem, ficam encantadas.” João Guimarães Rosa.
Quem vem depois? Simplesmente o escritor-símbolo da nacionalidade brasileira, Machado de Assis: “Há uma grandeza, há uma glória, há uma intrepidez em ser simplesmente bons, sem aparato, nem interesse, nem cálculo; e sobretudo sem arrependimento.”
Tomemos, por exemplo, a bela senhora que assina o Prefácio. Sua beleza é dádiva da natureza que vem sendo aperfeiçoada desde tempos imemoriais. Ou seja: desde 260.000 anos-luz até este momento em que assino esta consideração. Tudo o que existe constitui produto da ação humana sobre a parte sólida do globo terrestre. A terrível e inestimável ação vem da cristalização de hábitos e costumes jogados no Rio da Vida. O cone vivo vira um simples simulacro que se despeja em outro Rio, mais volumoso. Até que este, em gesto suicida, se atira sobre o Mar-Oceano. Até que este, na vazante, deixa a descoberto a margem, sob a luz e os efeitos do sol, estrela de quinta posição na lista dos astros. Que vem a ser a Beleza?
O que se convencionou ser Belo, o prêmio mais alto da concepção humana. A Beleza substantivada, preste a desfilar no concurso mais disputado e consagrador ante a fabricação dos prazeres da vida. Sim. A vida tem que ser, sempre, prazerosa. Somente assim paga a pena dos desencantos e sofrimentos a que se sujeitam os “pecadores, devidamente citados nos tais livros ditados pela supremacia do pensamento cósmico, segundo o que a religião eternizou para os fiéis católicos.
Conclusão
Desejo mencionar a síntese das memórias reunidas por Fernando Abdo, sob o signo das maravilhas. Em primeiro lugar, a tentativa de resgatar as contribuições do saber humano a partir da escrita. Temos a trajetória do Autor sobre os resíduos das civilizações, algo que estas lograram implantar sobre o território urbano, em gestos sublimes de ocupar as cidades com as reminiscências legadas no deslocamento dos produtores agrícolas para os centros residuais. A palavra saudade, tão característica da Língua Portuguesa que se oficializou no Brasil, constitui símbolo inerente às formações poemáticas dos artistas e cientistas.
Um grupo de estudantes que assistiram às minhas preleções numa Universidade norte-americana, composto o grupo de professores, estudiosos, curiosos das expressões realizadas no planeta Terra, presenteou-me com a eleição da vanguarda pós-modernista, os poemas “visuais" que mais os enriqueceram. Os poemas da obra Jeremias sem chorar, do poeta Cassiano Ricardo, editado em São Paulo, foram os mais celebrados no inquérito que, de costume, proponho no final do curso.
Já desligado do magistério, fui visitado em Belo Horizonte por dois antigos alunos, os quais me alegraram com um estudo sobre a palavra saudade e, além disso, pequena pesquisa acerca do voo de Gagarin em torno da Terra.
Continuo: a psicanálise e o sentimento de bem-estar na vida se juntaram para revelarem novos recantos da alma.
Fernando Abdo traz aos leitores ilustrações de Karla Boncompagni e, no término do trabalho, uma lista de 42 anotações esclarecedoras dos textos dos poemas em prosa.
Tudo reunido representa especial convite para dimensionarmos a plenitude e os limites dos poemas em prosa. O saber enciclopédico advém, de qualquer forma, como um conforto a mais para o leitor-consulente.
Este é o testemunho que posso dar ao Autor do que nomeio “Maravilhas das Memórias”.
Fábio Lucas, escritor e crítico literário, sobre o livro Memórias Editadas. Publicado na revista da Academia de Letras do Brasil
Memórias Postumas de Brás Cubas - Machado de Assis
Memórias Póstumas de Brás Cubas marca um divisor de águas na literatura brasileira. Publicado no final do século XIX, inaugura o realismo machadiano, rompendo com o romantismo idealizado da época. Com forte tom irônico, filosófico e crítico, Machado de Assis cria um narrador morto, Brás Cubas, que escreve suas memórias “da cova para cima”.
“Ao verme que primeiro roeu as frias carnes do meu cadáver dedico como saudosa lembrança estas memórias póstumas.” (Prólogo)
Essa epígrafe mostra desde o início o humor negro e a irreverência do narrador, que, sem as amarras da moral social, pode contar sua vida com total franqueza — ainda que, muitas vezes, manipulada.
O livro narra a vida de Brás Cubas, membro da elite carioca do século XIX. Ele revisita sua infância, amores (especialmente Virgília), ambições políticas frustradas, vaidades e relações familiares. Porém, mais importante do que os fatos é como ele os interpreta, sempre com ironia e autocrítica. O enredo é não linear, dividido em 160 capítulos curtos, alguns de apenas uma linha.
Neste trecho, Machado esbanja sua habilidade ímpar com o uso dos adjetivos, e a maestria com as vírgulas. "Uniu-nos esse beijo único, — breve como a ocasião, ardente como o amor, prólogo de uma vida de delícias, de terrores, de remorsos, de prazeres que rematavam em dor, de aflições que desabrochavam em alegria, — uma hipocrisia paciente e sistemática, único freio de uma paixão sem freio, — vida de agitações, de cóleras, de desesperos e de ciúmes, que uma hora pagava à farta e de sobra; mas outra hora vinha e engolia aquela, como tudo mais, para deixar à tona as agitações e o resto, e o resto do resto, que é o fastio e a saciedade: tal foi o livro daquele prólogo." (Capitulo LIII)
Brás Cubas é egoísta, vaidoso, elitista e ocioso. Vive de aparências e nunca trabalhou. Não possui grandes realizações, mas se acha digno de escrever suas memórias. A morte lhe permite olhar com distanciamento para sua vida — e zombar dela. “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da nossa miséria.” (Cap. CXXXVI – O Veredicto)
Essa frase, no final da obra, resume seu niilismo: Brás vê a existência como vazia e se orgulha de não ter perpetuado o sofrimento humano.
Conclusão crítica
Memórias Póstumas de Brás Cubas é uma obra fundamental da literatura brasileira e universal. Machado de Assis, com sua escrita irônica, filosófica e engenhosa, antecipa técnicas do modernismo e até do pós-modernismo, tornando-se um autor à frente de seu tempo.
Brás Cubas é um espelho do vazio existencial, da vaidade social, e do desprezo pelas virtudes falsas. A genialidade do livro está em nos fazer rir da tragédia humana — com leveza, inteligência e acidez.
Fernando Abdo, escritor e editor-chefe da Academia Mineira de Escritores