A Poesia em Minas Gerais

Minas Gerais é terra de montanhas e memórias, de estradas sinuosas que conduzem não apenas a cidades históricas, mas ao âmago da alma brasileira. A poesia mineira reflete essa geografia íntima e introspectiva, onde o lirismo se entrelaça com a espiritualidade, a política e o cotidiano. Poetas de Minas, com sua linguagem refinada e, ao mesmo tempo popular, deram voz a um Brasil profundo, silencioso e resistente.

A poesia mineira tem como pano de fundo a religiosidade barroca, a paisagem montanhosa e a introspecção. É uma poesia que sussurra, que escava o sentimento até o fundo, que se embrenha pelas veredas da linguagem e da emoção. Muitos desses poetas foram também cronistas do tempo, historiadores da subjetividade.

A arte poética em Minas também se expressa através das ruas de Ouro Preto, dos sinos de Mariana, das ladeiras de Tiradentes. Cada cidade parece respirar um tipo próprio de verso, marcado pela tradição, mas aberto ao novo.

Livraria


Olhai os Lírios do Campo
sem Macunaíma.
Viva teus Cem Anos de Solidão
com Razão e Sensibilidade.
Sejas Dom Casmurro professado
de teu Dom Quixote Cervantes.

Se, Em Busca do Tempo Perdido
encontrares Guerra e Paz,
assista Os Miseráveis virarem
As Memórias Póstumas de Brás Cubas,
 talvez assim O Pequeno Principe
não temerá nem Drácula
nem Frankenstein, quanto menos
Crime e Castigo.

Busca teu Profeta Gibran
nos Morros dos Ventos Uivantes,
talvez lá Ulysses te dirá que
a Odisseia teve Encontro Marcado em 1984,
sem temer as Vidas Secas.

Perceberá, decerto,
Que O Sol é para Todos.
E, por fim, se apaixonastes
como Romeu e Julieta,
busca tua Hora da Estrela
em Gabriela Cravo e Canela.
Lembra-te que somos todos
filhos dessa Divina Comédia,
e que lá não há Incidente em Antares,
mas, sim, Os Sertões
do Meu Pé de Laranja Lima

Extraído do livro Por que Será? - Fernando Abdo

A incapacidade de ser verdadeiro

Paulo tinha fama de mentiroso. Um dia chegou em casa dizendo que vira no campo dois dragões da independência cuspindo fogo e lendo fotonovelas.
A mãe botou-o de castigo, mas na semana seguinte ele veio contando que caíra no pátio da escola um pedaço de lua, todo cheio de buraquinhos feito de queijo, e ele provou e tinha gosto de queijo. Desta vez Paulo não só ficou sem sobremesa como foi proibido de jogar futebol durante quinze dias.
Quando o menino voltou falando que todas as borboletas da Terra passaram pela chácara de Siá Elpídia e queriam formar um tapete voador para transportá-lo ao sétimo céu, a mãe decidiu levá-lo ao médico. Após o exame, o Dr. Epaminondas abanou a cabeça:
– Não há nada a fazer, Dona Colo. Este menino é mesmo um caso de poesia.

 

(Fonte: ANDRADE, Carlos Drummond de. A incapacidade de ser verdadeiro. Em: Poesia e prosa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1988) Ilustração Manoel de Barros

Literata

Dizem as parábolas que
Machado promulgou-se Assis
deixando Lygia sempre Fagundes,
ser Telles.
Aventaram, também,
Clarice do desconsolo Lispector
semear Jorge que se dizia Amado.

Em verdade,
quando Kafka cutucou Joyce,
não pensou melindrar Orwell
achou sim que suscitaria
Garcia Márquez. Tolo!
Não percebeu estar galanteando
Hesse ao falar de Wilde.

Concluiu-se, na suma das sumas,
que o mistério Agatha
no modernismo Woolf
acrisolou Veríssimo,
parodiou Millôr todos os Fernandes,
sem prejuízo claro, de Cecília
ao imortalizar-se Meirelles

Extraído do livro Por que Será? - Fernando Abdo

Últimas Horas


A madrugada requer silêncio
é hora de postergar anseios
à espera do imponderável
nestes tempos de pouca escuta
e tanta refração de solidariedade

O dia amanhece, a vida intrépida
não espera os retardatários
sirene toca, burburinho começa 
no vai e vem o sinal vermelho avisa:
o perigo anda à solta

Cai a tarde, tem pressa de partir
está cansada de controlar o sol 
brincando de esconder nas nuvens 
a transmutação incessante tem fim
agora agoniza em crepúsculo 

Vem a noite com seu mistério
a confundir corações inquietos:
ainda dá tempo?
Se correrem, ainda podem alcançar
as horas últimas do acontecer

Extraído do livro Ainda Podemos - Nadja Abdo